
Neste 23 de abril, data dedicada a Ogum, fiéis das religiões de matriz africana celebram em todo o Brasil o orixá guerreiro, símbolo de coragem, justiça e proteção. Em Caxias do Sul, assim como em todo o Rio Grande do Sul, a reverência tem um significado ainda mais especial: Ogum é o patrono da cidade e do Estado.
Alguns ligam a imagem dele a São Jorge — mitológico santo guerreiro que é venerado pelos católicos —, também lutador, destemido e cheio de iniciativa. Ogum também é o deus do ferro, a divindade que ergue a espada e fabrica o material, transformando-o no instrumento de luta. É o padroeiro de todos os que manejam ferramentas. É o orixá da metalurgia.
A relação entre Ogum e Caxias do Sul não é recente, mas ganhou força e reconhecimento ao longo do tempo, tendo sido eleito pela comunidade umbandista, em 2001, como o orixá patrono da cidade. Já em 2023, uma lei de autoria do deputado estadual Pepe Vargas (PT) declarou Ogum como patrono espiritual das religiões afro-brasileiras no Rio Grande do Sul.
— Ogum vem ao encontro de Caxias, porque a cidade é o segundo polo metalmecânico do Brasil. E Ogum é o orixá que representa o aço, o ferro, a manufatura. Ogum está na vida humana desde a sua origem — conta o presidente da Associação de Umbanda Caxias (AUC), Saul de Medeiros de Ogum, destacando que a escolha do orixá também dialoga com o perfil histórico e cultural da cidade.

Remontando à história, Medeiros conta que Ogum também representa a tecnologia, e surge como um civilizador na agem da idade da pedra para a idade do metal, tirando o homem da vida nômade e colocando-o como um ser sedentário. É nesse período que o homem começa a produzir utensílios, ferramentas para a agricultura, armas para a caça e para a sua defesa.
— Ogum também está no ser humano, pois nós temos ferro no sangue. Ele é um orixá vital — reflete.
O patrono da cidade também é retratado no monumento ao orixá Ogum, inaugurado em 21 de abril de 2006, na Praça Lauro de Oxum, nome do fundador da Associação de Umbanda Caxias (AUC), na Perimetral Sul, no bairro Kayser.
— O monumento ao orixá Ogum, feito com essa modelagem, com esse fenótipo africano, é o único no Brasil. Então, Caxias é pujante na sua prática religiosa afro-brasileira. Embora o catolicismo ser muito presente na cidade, é de uma forma muito sadia essa relação com a igreja. A comunidade reconhece e respeita — diz Medeiros.
Uma homenagem a Ogum com show pirotécnico será realizada nesta quarta-feira (23), às 20h, junto ao monumento na Perimetral Sul.
O terreiro como lugar de acolhimento
Ao falar da relação de Ogum com Caxias, não se pode deixar de lembrar também a relação da cidade com a própria umbanda. A religião nasceu em 1908 no Rio de Janeiro pelas mãos do médium Zélio Fernandino de Moraes, e se difundiu Brasil afora, ganhando adeptos em todos os estados do país. Em Caxias do Sul, Lauro Luís de Medeiros, o Lauro de Oxum, organizou a associação de umbanda em 1974 para unir as poucas casas da época que reuniam os adeptos no município.
— Embora exista essa forte presença italiana com sua pujança, Caxias do Sul é uma cidade que historicamente traz à luz a umbanda já na década de 1930. Naquele período, a presença da religião era muito discreta, mas foi tomando corpo com o ar do tempo — recorda o presidente da associação.
Segundo Medeiros, a entidade tinha o objetivo de mapear e aproximar os terreiros para fortalecer a sua presença, tirando-os da invisibilidade, que até então era muito comum. Após um período desativada, a associação retomou as atividades em 1995.

Foi a partir de meados da década de 1990 que a umbanda começou a se manifestar de forma mais intensa na cidade. Tanto é que, atualmente, Caxias do Sul é um dos municípios com mais terreiros no Rio Grande do Sul: atualmente são cerca de 750 casas ligadas à religião, segundo a associação.
— Estamos trazendo à luz nossa religiosidade, mostrando que ela também tem muita contribuição cultural, além de ser uma filosofia de vida muito importante. O terreiro não é só um lugar para um relacionamento com o sagrado. O terreiro forma cidadãos, ele dá uma interpretação de mundo que preza o respeito à sociedade, aos iguais e aos diferentes, além de ser um espaço de inclusão — sintetiza.
A criação do Conselho Municipal de Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiros e de Matriz Africana (CMTMA) de Caxias do Sul, em 2024, foi, segundo o presidente da associação, um importante avanço.
— Foi um divisor de águas (a criação do Conselho), pois, cada vez mais, nós vamos ocupar lugar de fala e poder ter espaços públicos para mostrar a nossa religiosidade e a nossa espiritualidade — afirma.
Um documentário sobre a história da umbanda em Caxias do Sul deverá ser produzido por Saul como fruto do seu doutorado em História na Universidade de Caxias do Sul (UCS). Segundo ele, será a reconstrução da história da religião na cidade. As pesquisas já estão avançadas e uma prévia do filme deverá ser exibida na Câmara de Vereadores entre setembro e outubro de 2025. A produção será do cineasta colombiano radicado em Caxias Daniel Vargas.
— Como é uma religião de tradição oral, nós não temos documentos, mas eu estou garimpando, indo no Arquivo Histórico, fazendo entrevistas aqui, entrevistas lá. Será um importante registro — finaliza Medeiros.