— Em Faxinal, até hoje quando morre uma pessoa, a primeira coisa é o sino. Quer tocar o sino, fala com o padre — compartilha.
Nas ocasiões de falecimento de pessoas da cidade, o protocolo orienta os sinos serem badalados por cinco minutos sem interrupção. Nos resto do dia, o sineiro trabalha em seu escritório. Porém, encara a relação de meio século com o sino como uma missão.
A aposentada Marilene Anversa, 70 anos, viveu a vida inteira dentro de uma casa de pedra na localidade de Linha dos Mantuanos, na zona rural de Silveira Martins. Mas não é uma moradia qualquer. Foi construída pelas mãos dos seus anteados imigrantes há quase 130 anos.
Na parede da frente, afixada no lado esquerdo da porta de marco verde, uma placa informa aos visitantes: "Casa de pedra construída por Henrique Anversa em 1896". O construtor era o seu próprio bisavô.
A casa ainda possui uma série de objetos centenários, especialmente no sótão. Lá em cima, as relíquias empoeiradas – itens como ferro de ar, latas, garrafas, pilão de fazer canjica, serrotes e lampião – simbolizam um ado de dificuldades e de intenso trabalho dos primeiros italianos a se instalarem na região da Quarta Colônia do Estado.
Silveira Martins respira história. As primeiras levas de imigrantes chegaram ao Barracão de Val de Buia, onde hoje pode ser vista uma imensa cruz do Monumento ao Imigrante.
Dali, os europeus partiram para outras localidades, dando origem aos demais núcleos da Quarta Colônia – Vale Vêneto, Val Veronés, Ribeirão, Polêsine, Soturno (Nova Palma), Geringonça (Novo Treviso), Dona Francisca e Núcleo Norte (Ivorá).
Trajando blusa verde, calça de abrigo preta e chinelos de dedo, Marilene caminha pelo piso de madeira do sótão da residência, manuseia as peças com cuidado, carinho e respeito.
— Eu carrego para o resto da vida essa lembrança deles, dos meus avós. Eu amo esse lugar, eu amo, amo — repete.
O casarão soma oito peças, contando o espaço do sótão. O assoalho em madeira ainda é original. Apenas as janelas e as portas foram trocadas nesse tempo todo, e o telhado sofreu pequenas intervenções.
É um orgulho ter nascido e viver aqui.
MARILENE ANVERSA
Moradora da casa de pedra
Ela fala que ou dificuldades no ado por viver em um local tão distante. Mas menciona que todas as pessoas se conheciam e costumavam se visitar com frequência. Emocionada, chora ao lembrar com saudades dos familiares já falecidos.
Marilene revela que os pais faleceram dentro de casa, e a morte da mãe, há três anos, ainda a deixa sensibilizada.
— Sinto muita falta da minha mãe. Convivi sempre com eles. Me dói muito a falta deles.
Visitantes sempre aparecem na casa de pedra para ver se alguém ainda vive ali. Também parentes curiosos – vindos de regiões como o Fundo, Catuípe e Sertão – para saber se a moradia permanece firme. Essas visitas ocasionais significam um momento de satisfação para a moradora.
— É um orgulho ter nascido e viver aqui.
A maior dificuldade são os os e as distâncias. O mercado mais próximo fica no centro de Silveira Martins. Com vias formadas por terra e pedras, além de sucessivos aclives e declives do trajeto, os deslocamentos precisam ser feitos de carro.
O marido José Luiz Chaves, 65, adquiriu um terreno no centro do município e planta verduras para comercializar todas as terças-feiras na cidade. O dinheiro ajuda na renda da família. O desejo dele é ir para as facilidades e o conforto da zona urbana; o da esposa é permanecer onde tudo começou para sua família em tempos antigos.
— Só não tenho dinheiro para conservar melhor a casa de pedra. Estou achando mais difícil sair agora que tenho mais idade — comenta Marilene, completando:
— O meu marido quer ir para o centro, mas, por mim, viveria aqui para sempre.
As irmãs Iracema Marchezan Bulegon, 82, e Sueli Marchezan, 79, dominam os segredos do preparo da massa agnolini, em São João do Polêsine, onde vivem há mais de seis décadas. As duas aprenderam a receita com a mãe.
Primeiramente, o município foi denominado de Terra de Manoel Py. O nome atual foi incorporado posteriormente. Foi uma forma de agradecer ao Padroeiro São João Batista pela acolhida positiva na terra nova.
Além disso, a lembrança da Polêsine situada no norte da Itália foi preservada pelos colonizadores. Atualmente, a gaúcha São João do Polêsine é conhecida pelo distrito de Vale Vêneto, onde o tempo parece ter sido congelado.
No início, as duas irmãs cozinhavam apenas para a família, mas precisaram expandir. Motivo: o sabor ficou conhecido pela vizinhança e agora as duas são requisitadas para levar o prato, uma variação do capeletti, para as festas da comunidade.
Dona Iracema utiliza os fundos da casa, situada na parte central da cidade, para preparar a massa. Em uma comprida mesa, recheia partes com frango – criados na própria propriedade – e outras com salamito. A cozinha só será usada na hora de fritar as peças em uma a carregada de banha de porco. O cheiro escapa do ambiente e toma conta do pátio. Mesmo quem não tem fome, fica com água na boca.
— Coloco ovo puro, sal e um pouquinho de azeite para a massa ficar lisinha. Depois vou espichando. Quando termino de fazer a massa, o ela em um cilindro grande e faço a massa fina — explica sobre as etapas.
Na sequência, a moradora de São João do Polêsine, vestindo avental azul e touca branca, compartilha detalhes sobre a preparação do recheio:
— Tiro a carne do osso, cozinho e depois o na máquina manual de moer. Coloco tempero, noz-moscada, pimenta e sal.
Quando o alimento típico é servido, o formato lembra pequenos pasteizinhos. A mistura dos sabores do recheio com a massa torna a iguaria deliciosa. As irmãs também fazem a massa agnolini com outros ingredientes, como espinafre e queijo.
A cozinheira aproveita para esclarecer sobre as diferenças para o capeletti.
— É o mesmo, só que no capeletti fazem o tamanho maior. Antigamente faziam grande e nós agora fazemos pequeno — observa.
(...) Eu poderia ter uma cuidadora e ficar sentada. Mas enquanto eu puder fazer, eu faço. Quando não puder mais, eu paro.
IRACEMA MARCHEZAN BULEGON
Nona da massa
Os ingredientes são retirados da horta existente no jardim da casa. Por essa razão, os itens são sempre frescos e escolhidos cuidadosamente.
Sobre o sentimento de reproduzir a massa como aprendeu de seus anteados, em um momento de comemoração dos 150 anos da imigração italiana no Estado, dona Iracema demonstra entusiasmo:
— Eu gosto de fazer. As minhas filhas dizem para eu parar de fazer tanta coisa. Ah, mas eu digo: "Faço o que de tarde?". Por isso me dedico a fazer ainda com essa idade. Eu poderia ter uma cuidadora e ficar sentada. Mas enquanto eu puder fazer, eu faço. Quando não puder mais, eu paro.