Estamos perdendo consideravelmente a capacidade de estabelecer relações de acolhimento e amor. Acho triste, pois precisamos destes dois sentimentos para abraçar com a alma quem está próximo de nós. Porém, há algo ainda a ser feito para sustentar esses pilares emocionais. Chegamos até aqui pela persistência em colaborar. E nesta palavra está embutido um longo trajeto de renúncia ao egoístico ato de se colocar em primeiro lugar. Talvez você se pergunte: como será verdade se as pessoas estão cada vez mais pensando só em si mesmas? Acredito ser um sintoma temporário: creio que vamos nos exaurir de tanta individualidade. A história é pendular. Ora aqui, ora acolá. Só após, o equilíbrio, também provisório.
Ninguém é autossuficiente o bastante para prescindir de uma rede de apoio. Qualquer existência está intrinsecamente ligada às demais. A ruptura desses elos pode significar o nosso fim como espécie. No entanto, vejo sinais alentadores. Há muitos movimentos de solidariedade, largos gestos promovendo a salvação quando somos atingidos por uma tragédia ambiental, por exemplo. É comovente acompanhar tanta gente mobilizando-se em busca de uma solução ao se depararem com comunidades que aram por grandes perdas. Dá-se a isso o nome de empatia.
Penso na magnífica arte da conversação. Vêm-me à mente os diálogos socráticos, nos quais cada interlocutor apresenta seus pontos de vista e é acolhido pelo grupo a despeito de eventuais divergências. Investigar diversas visões de mundo é multiplicar as experiências, pois nos deslocamos para um local (imaginário) diferente do nosso. O narcísico não gosta dessa prática e exatamente por isso deve-se insistir nesse propósito. Como é possível fazê-lo com eficiência? Depois das triviais perguntas “olá, tudo bem, como está?, nos despirmos um pouco da autorreferência. É o início de ricos encontros que geralmente desaguam em divagações filosóficas, transcendendo a banalidade do dia a dia. A inteligência é altamente sedutora, compete com os atrativos físicos. E há o fato de, com a agem do tempo e o aprofundamento dos contatos, sempre termos o que acrescentar no diálogo com o amigo, o colega, o vizinho. Ver com paixão quem está ao lado é estabelecer uma ligação próxima ao princípio religioso de unicidade.
Conta-se que certas tribos indígenas, conhecidas por suas iráveis criações artísticas, nunca assinam as peças produzidas. Para eles, a glória particular não tem valor algum. Visando escapar de tal armadilha da vaidade assinam as obras uns dos outros. Há neste pacto uma indizível beleza.
Veja para além dos olhos, com o corpo todo. Só assim será capaz de fazer a leitura correta de cada ser.