Uma hora da manhã e um inesperado encontro. O menino estava perto do carro, encolhido no meio fio. O corpo franzino, os pés descalços. Ele tremia. Seu rosto me era familiar. Então, naquele olhar fundo e no rosto miúdo, busquei um pedacinho de uma infância conhecida. A mão pequena estendida, as lembranças da cidade que poderia ter-lhe servido de palco e aplauso. Lembrei dos pequenos os de samba no largo da Catedral e das palmas pelas coreografias. Era gostoso estar perto do pequeno Robinson, quando tamborilava na caixa de engraxar sapatos.
— Esse guri há de vencer os perigos da rua!
Será que nos enganamos? A realidade venceu o sonho? No meio do oceano Atlântico o Robinson das aventuras de sobrevivência precisou dar conta dos desafios sozinho, em uma ilha deserta, feita de rochas, areia, árvores e silêncio.
Contudo, nos mares da cidade, os perigos podem ser maiores. As ruas são ilhas e o Robinson ainda menino foi jogado ao mar da cidade, sem bússola, sem cais. Ele naufragou no mar do abandono, da falta de amor e esquecimento. O pequeno mestre da dança não resistiu e parou de crescer. Treze anos em um corpo tão pequeno. O cheiro forte de cola e a minha repulsa diante de um mundo tão injusto.
Tentei encontrar alguma palavra que expressasse o carinho que tinha por ele e repeti versos que ele cantava: “sonhar não custa nada...”
Robinson finalmente esboçou um sorriso.
— A senhora dizia que eu era igual ao Robinson do livro.
Minha esperança ganhou força, quando ele lembrou do final da história.
— Estou esperando pelo navio, sôra. Por enquanto, vou lá com a galera.
Atravessou a rua e juntou-se a outros meninos.
Assim como Robinson Cruzoé, o Robinson das ruas precisou encontrar ferramentas para sobreviver. Mas, diferentemente da história do livro de Daniel Defoe, e talvez para fugir da dor, da fome e da solidão, ele perdeu a direção.
Sim. Uma aventura é feita de idas e vindas. Dias depois voltei ao mesmo local, perto do horário do nosso reencontro. Fiquei ali parada e senti a presença de um mar invisível. Procurei por um horizonte naquela rua que escondia muitos náufragos. Onde estaria Robinson?
Na verdade, eu queria o retorno de um novo Robinson que carregasse um mapa invisível no peito; um traço de sonho, uma rota de volta ao centro da praça. Só assim renovaria minha esperança que, por ora, permanece ancorada.