
Se você já teve o privilégio de ir a uma festa em alguma colônia italiana do sul do Brasil — especialmente no interior da serra gaúcha — provavelmente presenciou uma cena dessas: uma máquina meio rústica, feita de ferro, com espetos longos girando lentamente sobre brasas vivas, exalando um cheiro irresistível. Este é o Menarosto — ou girarosto, como alguns também chamam.
O que é Menarosto?
Na essência, é um assado em que diferentes tipos de carne são espetadas e assadas lentamente, girando de forma contínua. O nome vem do dialeto vêneto: “menare” significa “girar”, enquanto “rosto” significa “assado”. Ou seja, o famoso assado giratório. E não é qualquer churrasco — é um rito, uma tradição ada de geração em geração. Uma experiência única e que celebra a história e a imigração italiana no Rio Grande do Sul.
A origem
O Menarosto nasceu no norte da Itália, nas regiões do Vêneto e Trentino-Alto Ádige. Quando os imigrantes italianos vieram ao Brasil, no final do século 19, trouxeram junto não só a saudade da terra natal, mas as receitas, a forma de viver, festejar — e claro, cozinhar. Aqui, encontraram espaço, madeira, animais de criação e mantiveram viva essa tradição. Sorte a nossa.
Uma festa para a comunidade
O Menarosto é mais do que uma refeição: é um evento. Costuma ocorrer em datas especiais — festas religiosas, encontros da comunidade, casamentos ou até em mutirões de colheita da safra da uva. Não tem como fazer sozinho. São dezenas de quilos de carne, horas e horas de preparo, uma equipe coordenando o fogo, o giro dos espetos, o tempero e os acompanhamentos.
Ali, em volta do fogo, todo mundo participa. Os mais velhos cuidam para que tudo esteja de acordo com a tradição. Os mais novos aprendem já com a mão na massa, seguindo os ensinamentos dos mais experientes. O Menarosto se enraizou fundo no solo fértil da cultura gaúcha e virou mais do que uma refeição: virou ato coletivo, rito de agem e símbolo de pertencimento.
As carnes e os temperos
No Menarosto tradicional vai de tudo um pouco: frango, coelho, porco e até codorna. Em versões mais rústicas, o animal é assado inteiro no espeto. Os cortes são simples e o segredo está no tempero: sal grosso, alho, vinho da colônia, manjerona, alecrim, sálvia, sal e pimenta-do-reino. Tudo é misturado com as carnes que ficam marinando de um dia para o outro.
Origem italiana e adaptação gaúcha
Na Itália, especialmente nas regiões do Vêneto, Friuli e Trentino-Alto Ádige, o Menarosto era feito nas festas das vilas, nas colheitas, nas celebrações de batizados e casamentos. A ideia era assar carne em um espeto que gira devagar sobre brasas de madeira dura. Mas, ao chegar ao sul do Brasil, esse costume foi se adaptando à nova terra. Aqui, o coelho do velho mundo deu lugar ao frango da roça. O porco se manteve firme. E, claro, o gado entrou na dança, porque no Rio Grande do Sul não se faz churrasco sem carne bovina.
O sistema do espeto giratório foi ganhando melhorias — surgiram motores elétricos improvisados, peças de trator e estruturas soldadas por amigos. Até hoje tem colônia onde o motor do Menarosto foi montado pelo nono ou pelo tio mecânico. Tudo feito na base da confiança e do jeitinho artesanal.
Histórias que giram com o espeto
Em Travessão Carvalho — próximo a Flores da Cunha — é comum o Menarosto fazer parte da festa da igreja ou do salão da comunidade. As mulheres cuidam da salada de batata e de radicci (com bacon quente), da polenta, da massa e do vinho da safra ada. Os homens levantam cedo, armam os espetos, escolhem a lenha (geralmente de árvores frutíferas ou madeira seca de acácia) e começam a girar o assado ainda com o orvalho da manhã no chão.
Há quem diga que o melhor pedaço do Menarosto é aquele “primeiro giro”, que sai suculento e tostadinho nas pontas. E sempre tem um tio que fica na guarda do fogo, tomando vinho na cabaça e cuidando do ponto da carne com olhar experiente.
Receita de Menarosto da colônia
Ingredientes
- 2 frangos caipiras abertos (ou cortados em metades)
- 1 coelho temperado (opcional, mas tradicional)
- 2 lombos de porco
- 2 costelinhas de porco
- Linguiça colonial (de preferência feita na própria comunidade)
- Codorna
Marinada tradicional (de véspera)
Ingredientes
- 1 litro de vinho branco seco
- Suco de 3 limões
- 10 dentes de alho esmagados
- Sal grosso a gosto
- Ramos de alecrim, sálvia e manjerona picados
- Pimenta-do-reino moída na hora
- Azeite ou banha
Modo de preparo
- Misture os ingredientes da marinada e banhe bem todas as carnes. Deixe descansar entre 12 e 24 horas.
- Monte o espeto, intercalando os tipos de carne para que o sabor se misture e a gordura de um realce o outro.
- Prepare brasas com madeira seca. A lenha de árvores frutíferas (como laranjeira ou pessegueiro) dá um aroma especial.
- Coloque o espeto a girar a uma distância de cerca de 50 a 70cm do braseiro.
- O assado pode levar até 4 horas cozinhando lentamente e, dependendo, da quantidade. Vá pincelando com o tempero ou banha ao longo do processo.
Acompanhamentos típicos da mesa italiana da Serra
- Radicci com bacon quente
- Polenta mole e polenta brustolada
- Queijo ralado grosso para salpicar na carne ou na polenta
- Pães coloniais e cucas
- Vinho da casa
- Massa artesanal e salada de batata com maionese caseira
Um jeito de viver
Mais do que uma receita ou um tipo de churrasco, o Menarosto é um modo de vida das colônias italianas no Rio Grande do Sul. É o encontro de gerações: os mais velhos ensinam, os mais novos aprendem e todos ajudam. O almoço que vira tarde inteira com muita conversa e concentração. É nesse giro lento do espeto que a comunidade se reconhece: humilde, trabalhadora, festeira e orgulhosa de suas raízes.
Quem participa de um Menarosto sabe que ali se serve muito mais do que um assado. Serve tradição. Serve afeto. Serve história. Se você ainda não participou, corre, porque é inesquecível. Viva a cultura italiana, que o Rio Grande do Sul teve o privilégio de receber!
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